Por Dr. José Carlos de Oliveira
O último testemunho que apresentaremos de memória refere‑se ao português ‘Joaquim do Kusso’. Em 1953, foi abrir uma sucursal comercial em
Sakamo (kusso), a cerca de 70 quilómetros da Damba e outros tantos da povoação de Kibokolo, na bifurcação entre os concelhos de Maquela e Damba. Iniciada que foi a guerra, o administrador da vila
da Damba mandou que a população comercial do Sakamo recolhesse urgentemente à vila, integrando‑se no reforço da sua protecção.
Dois defensores da povoação de Kibokolo e pertencentes à mesma entidade patronal, não sabendo que o Joaquim já não estava no Kusso,
deslocaram‑se numa carrinha, sem mais apoios, à povoação. À sua chegada, constataram que o Joaquim tinha ido para a Damba, segundo o relato dos miúdos ‘que tinham ficado a tomar conta da casa’. O
espanto dos dois europeus foi enorme, quando viram surgir do caminho de pé posto, que levava à serra da Kanda, um branco seguido por uma branca trazendo atrás o seu caçador com a carabina às
costas. Foi‑lhes perguntado se sabiam que havia uma guerra, espantados, disseram que não sabiam, foram aviados das mercadorias que necessitavam e voltaram pelo mesmo caminho.
Em 1963, o ‘Joaquim do Kusso’ propôs à sua entidade patronal que o autorizasse a recuperar a casa comercial do Kusso. O negócio foi feito, a
troco de parte dos ordenados em atraso, incluídos os meses que esteve ao serviço do administrador da Damba. Restaurada a casa, passou a ir à Damba, reabastecer‑se de mercadorias. De 1963 a 1974,
nunca teve problemas com a UPA nem com o administrador da Damba. Assim que começou a trabalhar, levou consigo uma filha do soba Luvumbo. Foi a sua inseparável companheira durante onze anos. Um
dia, nos finais de 1974, o ‘Joaquim do Kusso’ informou‑a que desejava visitar os seus familiares, em Portugal, uma vez que, há vinte anos que não os via. O que o Joaquim não sabia é que a sua
companheira sabia de muita ‘mãe preta’ que tinha ficado na vila da Damba e mesmo de Maquela porque, segundo ela, os brancos fizeram os filhos, casaram depois com brancas e nunca reconheceram nem
a companheira nem os filhos de ambos. É certo que ela sabia de alguns que levaram para Portugal as suas companheiras, mas foram poucos, comparados com os outros. Um dia, o Joaquim começou a
sentir‑se mal do estômago, foi duas ou três vezes consultar o médico militar à Damba, infelizmente pouco tempo depois piorou, não recuperou da doença e morreu.