Por Carlos Álves*.
Os Dambas não obedeceram, à ordem do levatamento geral,marcado para o dia certo e hora. O terrorismo alastrava já, com intensidade, por vastas zonas do território, sem que eles exteriozasseem qualquer sinal de beligerância. A população da vila foi avisada, a bom tempo, logo no começo das matanças. Um comerciante que se deslocara no Uíge, para receber a filha que regressava de Luanda, por avião, telegrafou a comunicar as chacinas do quiteche, em quinze de Março, dos ataques a Zalala e as outras fazendas de café.
Depois, começaram a chegar notícias terríficas, de investidas àas fazendas, com degolas à catanada, cabeças roladas, membros decepados, corpos espostejados, numa sucessão estonteante, de causar medo. Apopulação da vila, alarmada com o feio aspecto dos aocontecimentos, reuniu em conselho para reflectir sobre as precauções a tomar.
Pureram-se de acordo nos passos a dar, quando surgissee o perigo. Com o apoio do Administrador do Concelho, evacuaram, por avião, as senhoras, as crianças e os idosos. Ficaram os homens válidos, decididos a defenderem a vila. Era maior força de vontade que a das armas, que se limitavam a algumas caçadeiras e umas poucas de pistolas. No entanto, o tempo foi correndo sem qualquer sinal de rebelião. Passado um mês, os comerciantes habituaram-se à troca de relações correntes, como dantes, gardando embora o sentido de alerta.
Circulava-se para as fazendas de café, sem contratempos, para os Postos Administrativos, para Maquela do Zombo, até ao dia 17 de Abril, data do primeiro ataque à vila. Dias antes tinha havido uma emboscada, junto a um pontão, na estrada Damba-Lucunga. Passou na vila um jipe, com três ocupantes, que se deslocavam de Mucaba para Lucunga. Pernoitaram numa fazenda, e na manhã seguinte para o seu destino.
A poucos quilómetros de distância encontraram um pontão, destruído. Ao pararem o jipe, foram alvejados a tiros de canhangulo. Um tombou logo ali. Outro fugiu para os lados de Lucunga, mas foi apanhado e abatido a tiro. O terceiro meteu-se na baixa de "madiadia" que se estendia a frente. A luta que ele travou!..."Madiadia" é capim rijo, da família de gramíneas, um caniço vigororo que medra em terrenos pingues, e que ultrapassa a altura dum homem.
Ao entrar nesse emaranhado de caules perfilados, densos e invergáveis, acaçapou-se, arrastando-se como pode, a muito custo.Depois, foi abrindo caminho penosamente, levanta aqui, cai acolá, na direcção da fazenda onde havia dormido. Chegou lá amarfanhado, as mãos feridas, o corpo enodoado, a roupa esfarrapada.
O fazendeiro, alarmado, mandou avisar os visinhos, que se apresentaram se demora. No dia seguinte recolheram todos à vila. Encontraram as lojas do comercio abertas, cheias de fragueses, gente da terra que fazia compras de sal. Ao ouvirem a notícia da emboscada, abandonaram tudo e desapareceram num instante. As compras de sal seria um disfarce, à espera do sinal para o ataque? Talvêz. À cautela, os comerciantes e fazandeiros concentraram-se na residência do Administrador do Concelho.
Um motorista antigo andou pelas fazendas afastadas, arecolher empregados e propretários, a fim de se pôrem a salvo. Levava uma mensagem do Secretário do Concelho que dizia assim: "Se ainda estiverem vivos,fujam imediatamente".
O dia 17 de Abril foi o escolhido para o combate formal. Em manhã coberta de nevoeiro, avançaram com as suas armas e abriram fogo sobre a residência do Administrador. A população, ali concetrada, entrou em acção e aguentou-se com valentia. Os rebeldes, armados de canhangulos e armas finas,tinham as vantagens de números e de fogo.
Apesar disso, os defensores bateram-se corajosamente, com a força desesperada de quem defende a vida. No auge da refrega, começou a ouvir-se grande algazarra, nas hostes atacantes, a gritarem e a saltarem. com urros de triunfo. Tinham arrido a Bandeira Nacional, amarratando-a e fazendo dela uma rodilha, que atiravam ao ar, com ditos de desprezo.
Os defensores da Damba, no fundo da imagem a torre da pista de aviação.
De entre os defensores saltaram dois jovens ao terreiro de espingardas apontadas. Um deles avançou sobre a bandeira recolheu-a, enquanto o outro cobria a operação com o fogo da sua arma. Os atacantes abandonaram a luta, acossados por um fogo vigoroso. A batalha estava ganha, mas ninguém acreditou que a situação ficasse resolvida. Era claro que deviam voltar, com maior força, para obterem a decisão desejada.
Texto enviado por João Nogueira Garcia.
(*) Este texto foi retirado do livro "A Hecatombe" publicado em 1992 pela "Associação dos Amigos do Uíge". Carlos Alves nasceu em 1900 em Musserra, povoação comercial entre Ambriz e Ambrizete. Chegou ao Uíge em 1920 para gerir uma casa comercial e aí desenvolveu a sua actividade comercial e agrícola. Foi presidente da Câmara de Carmona (Uíge)de 1961 a 64 e deputado do partido único da ditadura à Assembleia Nacional. Faleceu em Portugal com a idade de 90 anos.