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Por Joaquim Júnior
O número elevado de jovens sem formação académica e profissional e a falta de empregos fazem com que no Uíge, a exemplo do que sucede um pouco por todo o país, cada vez mais pessoas recorram a biscates como forma de ganhar a vida.
O mercado municipal na capital da provínciado Uíge é o local de eleição das pessoas naquelas condições e onde desenvolvem actividades ocasionais que lhes permitem ganhar o indispensável para viverem e ajudarem as famílias.
Há os que se dedicam à venda de tudo e mais alguma coisa, mas também os que por falta de recursos para investirem se dedicam ao carregamento e descarregamento de mercadorias, à recolha de lixo, reposição de retrovisores, desentupimentos de fossas e esgotos em casas particulares, enfim quase tudo aquilo que, sendo digno, mais ninguém quer fazer.
No entroncamento das ruas 1º de Agosto e Comandante Bula há mais de duas décadas que a célebre “Parada Azul” é ponto de encontro diário dos “homens das mil e uma profissões”, na maioria entre os 20 e 30 anos. Francisco Gomes é um deles. Apareceu pela primeira vez na “Parada Azul” em 2002, ano em que seu pai faleceu.
A mãe camponesa não tinha recursos para manter os filhos a estudar, que o que a lavra dava era curto para as despesas todas da casa até então repartidas com o marido.
Por isso, ele foi obrigado a deixar a escola e as brincadeiras que todos os meninos têm, aprendeu “a virar a vida” e foi homem antes do tempo.
“Foi na ‘Parada Azul’ onde aprendi a virar a vida e na companhia de amigos que fiz na altura comecei a desentupir fossas para ganhar algum dinheiro e ajudar a mãe a comprar comida e outros bens para a família”, lembrou.
No virar da vida, apesar de o corpo continuar a ser de menino, aprendeu igualmente a ser pedreiro, pintor, ladrilhador, desentupidor, a nivelar terrenos e outrod biscates. O período da manhã é o mais procurado na “Parada Azul” porque os proprietários de estabelecimentos comerciais precisam de quem descarregue mercadorias e há também quem procure pessoas que lhes arranje quintais, rectifique e pinte paredes, coloque sanitas ou azulejos em casa.
Biscates de manhã
A meio de uma manhã recente, o ambiente na era desolador e até de certa crispação. Ninguém fora contratado.
Alguns dos jovens biscateiros permanecia sentados, cabeça entre as mãos a pensar sabe-se lá em quê, outros discutiam, como se alguns dos presentes fosse culpado da falta de clientes.De repente, o cenário alterou-se e a frustração deu lugar à esperança. A “Mãe Grande”, como é tratada uma empresária, chegou e precisava de oito jovens para descarregarem a mercadoria de um camião. Ofereceram-se todos.
A situação foi ultrapassada, com dois deles, Francisco Gomes e Zacarias Basílio, a aconselharem calma “para não se pensar que não há solidariedade, faz este trabalho quem hoje está mais necessitado”.
“Este é período do tudo ou nada. Os que não conseguem nada até ao às 12h00 tem praticamente o dia perdido, pois dificilmente aparecem biscates à tarde”, disse Zacarias, que acrescentou mais a falar consigo próprio, como que a querer encorajar-se: “vamos aguardar que apareça mais alguém”.
Saúde em risco
Os biscateiros já não se lembram de quantos desentupimentos fizeram, nem baldes de alumínio, fios de ferro, escadas e pás, os seus principais utensílios de trabalho, carregaram.
Zacarias Basílio concilia o trabalho de desentupidor com o de pedreiro e canalizador.
Por isso raramente lhe falta que fazer, mas não esquece os riscos a que está sujeito por nem sempre utilizar equipamento de segurança.
“O desentupimento de fossas é perigoso para a saúde devido aos gases que inalamos, que já causaram a morte de muitos dos mais velhos que não tinham os cuidados necessários”, disse. Quem faz este trabalho, salientou, tem de ter muito cuidado com a higiene pessoal, tomar banho com água morna e desinfectada com lixívia, escova de banho para retirar as impurezas na pele e usar cosméticos anticépticos e aromatizados para evitar o mau cheiro no corpo e combater os micróbios.
O biscateiro referiu que o desentupimento de fossas causa vários problemas de saúde, principalmente pulmonares e respiratórios e lamentou que muitos dos que se dedicam a esta actividade descurem a higiene pessoal, substituam-na por bebidas alcoólicas e esbanjem “o pouco que ganham a embriagarem-se”.
Preparar o futuro
Augusto Mateus é bagageiro há oito anos, mas nunca abandonou os estudos.
Parte do que ganha serve para o sustento da família - mulher, quatro filhos e o pai, que é cego - mas também para preparar um futuro melhor. Concluiu no ano passado a 9ª classe e vai frequentar a 10ª.“A ‘Parada Azul’ é por enquanto o nosso posto de trabalho, mas tarde ou cedo Deus vai abrir-nos as portas para um emprego melhor e mais seguro”, declarou. Augusto Mateus fala por ele, mas também pelos companheiros da “Parada Azul”, quando refere que “a esperança deve ser a última coisa a morrer” e que “o único caminho é o do trabalho honesto para se ganhar o respeito dos outros”.
“O pensamento positivo que há no grupo faz com que muitos de nós tivessem abandonado a delinquência e percebessem que em Angola o Executivo está a fazer tudo para criar emprego para os jovens”, disse Augusto Mateus, com um sorriso de esperança a encher-lhe o rosto, na certeza de que a sua vida vai mudar.
Via JA